Revista Indústria Brasileira

População está excluída da economia do conhecimento PARA O CIENTISTA-CHEFE DO INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE (ITS), RONALDO LEMOS, FUTURO DO DESENVOLVIMENTO DEPENDE DA TRANSFORMAÇÃO DE CONHECIMENTO EM VALOR EM GRANDE ESCALA As novas políticas públicas brasileiras pre- cisam ter como objetivo a geração de ino- vações, mas ainda é longo o caminho para que o Brasil seja considerado um país ino- vador. Essa é a opinião do advogado, pro- fessor, especialista em tecnologia e pes- quisador Ronaldo Lemos. Segundo ele, as empresas devem ter a “inovação como par- te do seu modelo de negócio”. Um dos idealizadores do Marco Civil da Internet do Brasil, Lemos, que é cientista- -chefe do Instituto de Tecnologia e Socieda- de (ITS), também comanda a série Expresso Futuro no Canal Futura. No programa, ele conversa com especialistas de todo o mun- do para mostrar as transformações movidas pela tecnologia, examinando tópicos como inteligência artificial, realidade virtual, ci- dades inteligentes e outros. O que é inovação para você? Inovação no contexto brasileiro é ser capaz de usar co- nhecimento para criar valor e resolver pro- blemas. Nosso país é muito bom em criar va- lor a partir de recursos da natureza, como no agro ou na mineração. No entanto, não é bom em transformar conhecimento em va- lor, produtos e serviços. Numa escala de 0 a 10, quão inovador o Brasil é atualmente? E o que falta para me- lhorar isso? Nota 3. Inovamos em alguns se- tores, mas a grande maioria da população está excluída da economia do conhecimento. A premissa é criar caminhos para que todos possam participar da economia do conhecimento. Sempre que uma nova política pública for criada, é preciso perguntar: no que isso ajuda o país a inovar? Por exemplo, políticas de conectividade como o 5G ajudam a inovar, enquanto emitir uma nova cédula de papel de 200 reais não ajuda. O Brasil investe muito menos em tecnologia e ino- vação do que grandes players mundiais, como Chi- na, Estados Unidos e Alemanha. Quais são os im- pactos disso para o país? Vamos ficando para trás. O futuro do desenvolvimento depende de transfor- mar conhecimento em valor. Enquanto não apren- dermos a fazer isso em grande escala, não conse- guiremos alcançar os países que estão despontando. As fake news são consideradas um dos principais problemas da sociedade atual. Elas são uma amea- ça para os avanços tecnológicos? Sim, são, porque uma das essências das fake news é desacreditar a ciência e os especialistas. Quem consome ou pro- duz fake news acha que já sabe tudo, fica cheio de certeza. Precisamos do contrário: que as pessoas sejam capazes de questionar, de ter dúvidas. Esse é o caminho para a inovação. Certezas demais le- vam à estagnação. O Sistema Indústria tem trabalhado para fomen- tar a inovação no chão de fábrica e nas salas de aula. É factível ensinar as pessoas a serem inova- doras? Com certeza. Todos podem participar da eco- nomia do conhecimento. Essa é a premissa. Ela não pode ser apenas uma franja produtiva; deve ser, sim, ummodelo de produção aberto a todos. Para isso, é preciso lembrar que tanto conhecimentos grandes quanto pequenos podem produzir inovação. Tan- to dominar inteligência artificial quanto saber uma nova forma de consertar um chuveiro é válido para a economia do conhecimento. É possível que haja grandes transformações emmi- cro e pequenas indústrias com pouco investimen- to em inovação? Sim. Como disse, os pequenos co- nhecimentos são úteis também. Por exemplo: uma nova forma de planilha de despesas, ou de gerenciar o estoque. Ou, ainda, um jeito diferente de organi- zar a lista de clientes e fornecedores, ou de melho- rar processos. Tudo isso no agregado vai permitin- do saltos de produtividade. Quais são as outras mudanças tecnológicas no tra- balho que você espera para o mundo pós-pande- mia? O home office e os modelos híbridos de traba- lhar se consolidaram, mas eles pegam apenas uma parte pequena da população. No ápice da pande- mia, apenas 12% das pessoas no Brasil estavam em home office . O que precisamos é que mesmo quem não pode estar em home office possa ter a oportu- nidade de usar conhecimento, pequeno ou grande, para criar valor. Como estimular o surgimento de mais startups tecnológicas no Brasil? Expandindo a possibilida- de de que startups possam ser criadas por todos os segmentos da população. Hoje, a criação de startups está presente nos grandes centros urbanos e, mes- mo neles, em alguns poucos lugares. Precisamos de centenas de milhares de micro e pequenas empre- sas que tenham a inovação como parte do seu mo- delo de negócio. ■ ▶ “Tanto dominar inteligência artificial quanto saber uma nova forma de consertar um chuveiro é válido para a economia do conhecimento”, diz Lemos 22 23 Revista Indústria Brasileira ▶ setembro 2021 Revista Indústria Brasileira ▼ Capa | Ronaldo Lemos

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