Revista da Confederação Nacional da Indústria

23 Revista Indústria Brasileira Quais foram os principais impactos da pandemia sobre o setor produtivo em 2020? Foi um ano atípico para qualquer país e, sem dúvidas, ainda mais desafiador para o Brasil. Aqui, a pandemia ocorreu em um momen- to ainda de muitas fragilidades. Essa é uma questão importante. O Brasil tinha passado por uma recessão muito dura, que começou em 2014 e durou até 2016, mas foi uma saí- da atípica, de baixo crescimento. Algo muito estranho aconteceu na economia brasileira. É natural ter um crescimento rápido ao sair da recessão, mas o que ocorreu foram anos de baixo crescimento e produtividade, com o mercado de trabalho ruim e muita mão de obra informal, além de desafios fiscais. En- tão veio a pandemia, que exige muito do setor público. Diferentemente de uma crise finan- ceira, na qual você faz políticas monetárias e consegue se recuperar, é necessária a transfe- rência de renda. Nesse aspecto, o Brasil teve um choque atenuado por investir fortemen- te em políticas fiscais, similar aos países ri- cos, tanto que o resultado do PIB no segundo trimestre foi uma queda menor do que a re- gistrada em outros países. Tivemos uma que- da menor por gastar mais. Naturalmente, de- pois de o Brasil fazer políticas fiscais fortes, veio a recuperação. E na indústria de forma geral? Com pro- tocolos rígidos, foi possível conviver com a pandemia. A indústria sofreu no início pelo lockdown severo e as cadeias de produção pararam, mas, com a normalização das ca- deias, a indústria pode funcionar com a pandemia. É difícil de entender, mas é in- teressante do ponto de vista da organização produtiva. Outro fato é que as pessoas rece- beram renda e não puderam consumir ser- viços, então a poupança aumentou e a renda foi para o consumo de bens. Alguns setores da indústria foram muito favorecidos, como bens não duráveis e bens farmacêuticos, re- lacionados à saúde. A indústria de bens tam- bém demanda um intermediário produzido pela própria indústria, então criou-se esse ciclo virtuoso. Isso é um padrão dos países e isso é muito bom. Nem todos os setores se beneficiam tão rapidamente. Quais são as perspectivas para 2021? É um desafio grande. Poderíamos imaginar uma recuperação muito rápida com a vacinação. Muitos países já estão em ritmo rápido de vacinação. Começamos 2021 com uma onda mais forte de novos casos da doença. Caso ti- véssemos a vacinação acontecendo muito rá- pido, poderíamos ter perspectivas melhores. Os Estados Unidos vão crescer muito este ano, porque têm espaço para crescer com políticas expansionistas e fiscais. O Brasil não, porque gastamos muito no ano passado e não temos orçamento. Temos que criar esse espaço para poder estender benefícios. E a questão fiscal? De um lado, a econo- mia pede mais benefícios — porque é uma de- manda legítima, uma vez que ainda temos fra- gilidades —; do outro, o fiscal, ainda não há equilíbrio. Não só não nos preparamos para uma vacinação emmassa como também não discutimos o orçamento para eventual exten- são dos benefícios. Criam-se duas incertezas: como vamos vacinar e como vamos discutir mais auxílio e sustentabilidade fiscal? A pa- lavra é incerteza e incerteza é algo péssimo para a recuperação econômica. Com isso, o início de ano vai ser muito desafiador. O que podemos esperar para o PIB? Acre- ditamos que o PIB do primeiro trimestre vai contrair pouco, em torno de 0,5%. À medida que avançarmos e conseguirmos superar a questão da vacinação, vamos recuperar bas- tante no segundo semestre. Acho que é possí- vel crescer em torno de 3,5% neste ano, mas é um ano muito desbalanceado. [Devemos ter] um primeiro semestre muito ruim e o segun- do muito bom. Depois da vacina, vamos ver a retomada, com pessoas consumindo servi- ços, e emprego e renda voltando. Que outras medidas poderiam ser apro- vadas para melhorar o ambiente de negó- cios? Uma discussão que permeia a pande- mia é o controle dos gastos obrigatórios. A PEC do teto é muito importante, mas sozinha é uma muleta, um atalho para conseguir sus- tentabilidade. Não se sustenta a longo pra- zo porque é preciso reduzir os gastos obri- gatórios. Nós conseguimos reduzir os gastos da Previdência, mas essa é a primeira etapa. Quais são os outros gastos obrigatórios? Pri- meiro: funcionalismo público. Nós temos es- paço para redução de gastos com funcioná- rios públicos e com políticas que entram nos gastos chamados de tributários. ■

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